segunda-feira, 30 de novembro de 2009

"Bai Bai!"


Acabei agora de jantar com o gato Matias. Este gato malvado anda levado da breca e exige de mim o mesmo que uma pessoa adulta. Desde que começou a falar, não tem tento na língua. Só com refeições à mesa é que o bichano se acalma. Se não lhe faço as vontades, acusa-me logo com aqueles olhos demoníacos. Descobri que ele já não quer comida enlatada, porque lhe provoca gases. A sua comida preferida é fígado e rins com ervilhas e não suporta que lhe dê anchovas! Nunca mais caio no erro de lhe dar anchovas. Rugia como um monstro e trepava pelas paredes como se estivesse possuído. Mas não me vou queixar. Eu sei que o Senhor me está apenas a testar, e este gato há-de ser o meu julgador na hora final. E hei-de agradar o bicho, custe o que custar, ou não me chamo Antonieta Piriquita!

Ora, hoje foi um dia que nunca mais acabava, pelo que jantar com o Matias foi o menor dos meus males. E olhem que jantar com este animal não é a coisa mais fácil do mundo. Tudo começou com a dona Teresa a choramingar-se, esta manhã. Tinha eu acabado de lavar a loiça do meu pequeno almoço, quando a vejo pela janela da minha cozinha. Estava toda vermelha, a mulher! Nem sabe como fica nojenta com o ranho a sair-lhe das ventas, inchada que nem um tomate e aqueles olhos esbugalhados de mulher levada. A Dona Teresa nunca foi uma senhora muito normal. Ela deve ter nascido com os seus problemas, e acho que tudo piorou quando se apercebeu que era feia. Qualquer coisa que aconteça, fica logo endoidecida. Chamei-a para casa e meti logo uma chaleira no lume para lhe fazer um chá de tília que acalmasse aquele bicho, porque não estava para aturar aquela brutidão a manhã toda. Temos que a amansar primeiro.

Aqui na vizinhança, ninguém gosta muito de a aturar, mas como a dona Teresa sabe tudo sobre toda a gente, todas gostam de a ouvir falar. Como em terra de cegos, quem tem um olho é rei, ninguém quer ficar em desvantagem. Há que saber tudo sobre todos, para o caso de circularem boatos sobre nós. Acontece que a Teresa esta manhã estava a chorar porque o marido da Jertrudes lhe respondeu "Bai Bai" quando ela lhe deu os bons dias na padaria! Ela não podia crer que aquele homem tivesse o descaramento de a ofender com palavras estrangeiras à frente de toda a vizinhança. O marido da Jertrudes viveu na América durante os anos do Salazar. Há quem diga que fosse porque cá não tinha dinheiro, mas eu digo que foi porque ele era um desavergonhado que fornicava com a moça mais nova da dona Custódia, que era muito boa senhora e não tinha culpa das filhas degenerarem, e teve que fugir para não ter que se casar com aquela porcalhona desavergonhada, que segundo dizem se foi prostituir numa ilhota grega e vendeu os filhos a troco de pão.

Assim, desde que veio do outro lado do mundo, onde andam a encher as pessoas de pão e carne como se preparassem os porcos para a engorda (Hão-de se começar a comer todos uns aos outros! Vão ver!), o marido da Jertrudes teve sempre a mania de só dizer nomes e palavrões naquela língua de pagãos. Acha-se tão importante que não pode mandar as pessoas à merda em português. Em inglês é mais fino! Fiquei impressionada com esta história da dona Teresa. A mulher realmente ficou transtornada, porque não conseguiu esconder o choque quando ele lhe chamou "Bai Bai!" Fugiu logo da padaria e ficou o mundo inteiro a rir-se dela. Eu não faço ideia o que quer dizer "Bai Bai", mas não deve ser coisa boa...

Seja como for, eu disse-lhe para não pensar mais no assunto, que não devia ser uma ofença assim tão grande. Afinal, por que razão havia ele de a ofender muito, por ela lhe desejar "Bom dia!"? Não devia ser nada pior que parva ou chata. Enchi-a de bolinhos de centeio e ela limpou as beiças ranhosas e começou a desbobinar. Contou-me coisas que eu nunca imaginava. A fufa Diana, como a gente chama à filha da Virginia, traiu a namorada com outra rapariga. Eu fiquei logo de orelha espetada, temendo que ela dissesse o nome da minha querida Olívia, que eu tanto tento que não se estravie dos bons caminhos. Mas é teimosa que nem uma burra, aquela miúda! Tão perdida! E eu rezo tanto para que Deus lhe ponha juízo naquela cabeça!

Enfim... Tive que a mandar embora quando chegou a hora de almoço, porque ela não se calava e eu sei que o Matias se enerva quando ela está em casa, principalmente à hora de almoço! Aproveitei os restos de carne assada do jantar e disse ao gato que era de hoje. Ele acreditou. Ou pelo menos não se queixou. Telefonei à Olívia, para ela fazer companhia à sua avó durante o almoço, mas a rapariga atrevida disse que tinha ido almoçar no restaurante chinês dos Chuing, com um rapaz tinha conhecido quando ainda andava na escola. Os Chuing são uma família que veio viver para Portugal já há dez anos, mas ainda não sabem falar português. Ou são burros, ou fingem que o são. Seja como for, não acreditei nela, e fui ver com os meus próprios olhos. Nem almocei.

Quando cheguei àquele restaurante manhoso, com cheiro a peixe cru e ratazanas do tamanho de gatos a guardar as traseiras, procurei logo por ela, mas o chinesinho Lipopó mais novo atravessou-se logo à minha frente a perguntar-me se eu quelia comêle clépe chinês, alôz chau-chau, sói-sói de polco e outras barbaridades do género. Tive que o enchutar com duas bengaladas no lombo para ele me deixar em paz. Foi então que vi a minha neta desavergonhada a falar com a fufa Diana! Nem quis acreditar! A almoçar com um rapaz da escola? A fufa Diana pode ser mais machona que muitos rapazes de hoje em dia, mas tanto quanto sei, Deus fez dela uma mulher!

Já me estava eu a preparar para as coçar de bengala, quando a fufa Diana pediu que eu me sentasse com elas e, não sei bem como aconteceu, fiquei a conversar com elas a tarde inteira. A fufa Diana pode ter os seus defeitos, mas é muito boa pessoa. Só de olhar para mim, percebeu que a minha artrite estava pior. Disse-me logo que eu tinha que ir depressa ao médico. E viu qualquer coisa estranha nos meus olhos. Será que estava a ficar com cataratas? Fiquei coberta de medo! Como a rapariga é auxiliar no hospital, contacta com muita gente e já sabe identificar muitos problemas de saúde. E deixou-me seriamente preocupada! Nós, de um momento para o outro, estamos com os pés para a cova e nem nos apercebemos! E eu ainda era demasiado nova para ter os sinais que ela me encontrou na bochecha esquerda! Podia ser o início de um cancro maligno! E ela apercebeu-se das minhas cruzes... Disse-me que uma banana ou um pepino todas as manhãs me iam trazer anos de vida. Deus a oiça! Eu que andava a julgar aquela rapariga... Afinal, a fufa Diana até tem uma boa alma.

Fui logo marcar consulta e quando cheguei a casa, às cinco e meia, já estava a anoitecer, e o gato Matias a pedir-me o jantar. Fiz carapaus para nós dois, porque o peixe tem ferro por comer os anzóis quando é pescado, e se já tenho tantos problemas de saúde, não preciso também de uma anemia. O gato torceu a orelha, porque preferia filetes de pescada, mas eu não fiz caso do que ele me disse. Este dia deixou-me arrasada. A dona Antonieta pode ser rija, mas já é velha e não aguenta de tudo. Vou repousar agora e amanhã de manhã começo já a minha dieta de banana e pepino como a fufa Diana aconselhou. Deus guarde a sua boa alma.

Sinceramente,

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

sábado, 28 de novembro de 2009

Temos que correr com a escumalha! - Dona Antonieta foi tirar Sangue!

Meus queridos, como sabem, eu sou uma senhora com muitos problemas de saúde e tenho que fazer análises muitas vezes, vá-se lá saber porquê. O meu médico há-de saber o que anda a fazer...

Para quem não sabe, quando fazemos análises, entregamos o nosso xixi num frasquinho e deixamos aqueles vampiros sugarem-nos o sangue todo pelo braço. Alguns são tão maus que em vez de me tirarem o sangue pelo braço, tiram-no pelas veias das minhas mãos, que já me doem tanto, por causa da minha artrite.

Felizmente, a querida Cátia Vá-Nessa é uma rapariga extremamente competente que sabe o que faz. "Esta moça há-de ir longe", disse eu, uma vez, à minha neta Olívia, que me acompanha sempre até ao hospital para me ajudar com as minhas cruzes.

Todavia, estes são sítios muito mal frequentados, cheios de drogados à procura de mais seringas para tirarem mais sangue. Não percebo como é que há gente que gosta de estar sempre a espetar seringas nos braços o tempo todo e sentir prazer com isso. Para mim é um martírio.

Mas há gente esquisita em todo o lado.

E com a Dona Antonieta ninguém se mete!


Sinceramente,

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!