segunda-feira, 26 de outubro de 2009

«Nunca Mais!» - Especial Dia das Bruxas


Na noite passada, não consegui dormir. Não sei por que é que tudo aquilo aconteceu... Se foi de me ter enganado durante a missa, enquanto estávamos a rezar o Pai Nosso... Talvez fosse! Em vez de dizer «Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido,» eu disse algo do género «Assim como não perdoamos a quem nos tem ofendido». Na altura não pensei que Nosso Senhor Jesus Cristo ficasse ofendido, mas agora que penso que Ele foi pregado numa cruz por nos ensinar o Pai Nosso, é capaz de ficar bastante aborrecido quando nos enganamos. Vendo bem, Ele fez um enorme sacrifício e o mínimo que podemos fazer é dizer o Pai Nosso sem nos enganarmos...

Na noite passada, o gato Matias começou a falar! Só aprendeu duas palavras, mas não se calava com isso!

Tudo começou por volta da meia-noite, com uns toques na porta do meu quarto. «Quem será a esta hora?» Pensei eu. «Quem será que bate à minha porta?» Permaneci deitada, pensando para comigo que era apenas uma visita à minha porta. Apenas uma visita e nada mais. Subitamente, pensei «Será a Olívia quem bate à minha porta?» e então a minha mente encheu-se de medos de que nem eu alguma vez imaginara... «Será um vagabundo para me violar? Será um jovem vagabundo quem está a bater à minha porta? Ou apenas a minha neta Olívia para me matar?» E com a força com que o meu coração batia, também a porta estremecia. Foi então que me levantei da cama, sem mais hesitações. Levantei-me e caminhei até à porta. «Senhor!» Disse eu, «Ou senhora! Peço-lhe o meu perdão, mas estava já a dormir quando veio bater gentilmente à minha porta». Abri então a porta de par em par... Trevas... Escuridão... e nada mais...

Ali, enfrentando as trevas, fiquei pensando, imaginando, sonhos que nenhum mortal alguma vez ousou sonhar. Foi então que o silêncio foi interrompido. «Antonieta...»

«Antonieta?» murmurei eu, para ter a certeza do que tinha ouvido e nenhum eco o repetiu. Regressei ao meu quarto e fechei a porta. Voltei então a ouvir bater. Um pouco mais alto do que antes. «De certeza que é na janela. É na janela que estão a bater.» Abri a cortinas e vi o luar. A lua e as árvores e nada mais. Abri então a janela e um gato saltou para o meu parapeito. Saltou para o parapeito e correu pelo quarto. Correu até se sentar em frente da porta do meu quarto.

«Matias Francisco! Gato malvado!» Ficou sentado e nada mais. Inclinou a cabeça e juro que lhe vi um sorriso. Nunca vira um sorriso na cara daquele gato.

«Nunca Mais!» Disse ele, subitamente. Disse ele numa voz grave e tenebrosa, enquanto o meu grito ecoava pelo quarto e pelas ruas desertas do bairro. Porém, o Matias permaneceu sentado. Nunca uma criatura olhara para uma pessoa como os olhos julgadores daquele gato. Nem um pêlo eriçou. Imóvel como uma escultura. E aqueles olhos com que me julgava. «Ele vai-se embora» pensei eu, «abre-lhe a porta e ele não volta mais.» E ele repetiu «Nunca Mais!»
Agarrei então numa cadeira e comecei a agitá-la à frente dele. À frente do gato, da porta e da foto do meu Arnaldo. Comecei então a pensar, conquanto eu me conseguia acalmar, no que é que aquele gato queria dizer com as palavras «Nunca Mais!» E a luz do luar incidiu sobre o retrato. Incidiu sobre a foto do meu Arnaldo e fez-me pensar «Quererá o gato dizer que não voltarei a ver o meu Arnaldo? O meu falecido marido Arnaldo? Não devo pensar mais nele então...» e um sorriso encheu o meu espírito e enquanto eu virava a moldura ao contrário o gato murmurou «Nunca Mais!» Todo o meu corpo estremeceu, com a voz daquele gato.

«Profeta!» Disse eu, «Profeta ainda, mesmo que sejas coisa do diabo. Assegura-me, tu que a esta casa vieste assombrar de horror, diz-me de verdade, eu imploro, que é por ter que me arrepender do meu passado! Diz-me que vieste pelos meus fantasmas, diz-me, eu to imploro!». Respondeu-me o gato: «Nunca Mais!»

«Profeta!» Disse eu, «Diz-me pelo Céu e pelo Deus que ambos adoramos, diz-me por quem foste enviado! Eu to imploro! Foi pelo Frederico Rodrigo ou pelo meu Arnaldo? Diz-me que eles estão no descanso sagrado. Diz-me que repousam no descanso eterno para que o meu coração fique sossegado!». Respondeu-me o gato: «Nunca Mais!»

«Sejam essas palavras a nossa despedida, gato ou amigo!» Gritei eu, esganiçada! «Vira-me as costas e parte para a noite. Parte e não deixes um único pêlo para trás, que farta de varrer os teus pêlos estou eu! Deixa-me só na minha solidão e sai da frente da minha porta! Tira as garras do meu coração e separa esses olhos da minha alma!». Respondeu-me o gato: «Nunca Mais!»

E o gato, sem nunca se mexer, continua sentado. Continua sentado à porta do meu quarto. E os seus olhos parecem os olhos de um demónio que nunca dorme. E a lâmpada no tecto espalha a sombra dele pelo chão do meu quarto. E a minha alma presa àqueles olhos de demónio não voltará a repousar - Nunca Mais!

«Não faz mal.» Penso eu. «Terei que viver com isso». Agora, vou fazer o almoço. A minha neta Olívia vem cá almoçar comigo e ler-me uns poemas de um tal de Edgar Qualquer-Coisa. Talvez isso me acalme e me distraia das palavras com que aquele gato me assombrou... Nunca Mais...

Sinceramente, assombrada...

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Morrer Como um Homem no Cemitério

Meus Queridos,
Estava eu a ensinar a minha neta a fazer rendas para o enchoval, quando reconheci uma voz da rádio. Eu queria ouvir Rádio Renascença, mas como já é difícil convencer a minha Olívia a fazer renda, decidi dar-lhe algum espaço e deixei-a sintonizar o aparelho na Antena 3. Havia um tal de Alvim e uma Prova Oral que me dava a sensação de ser de muito mau gosto. Mas começo a ouvir a entrevista com mais atenção e apercebo-me que reconheço os entrevistados.

Há meses atrás, um grupo armado de câmaras de filmar invadiu o cemitério da minha paróquia às quatro da manhã. Não é que depois das poucas vergonhas que lá fizeram, tiveram o descaramento de ir falar sobre isso na rádio, para toda a gente ouvir?! Ora oiçam eles a falar do que fizeram lá no minuto 45. http://ww1.rtp.pt/icmblogs/rtp/prova-oral/?k=Morrer-como-um-homem.rtp&post=15562

Vou-vos contar toda a história. Estava eu na cama, a dormir o meu segundo sono, quando oiço gritos na rua. Gritos estridentes! Assustadores! Parecia que o demónio estava a subir à Terra e o mundo se enchia de dor e ranger de dentes. Afinal, era só a Celeste, mas fazia barulho pela humanidade inteira. Agarrei-me às traves da cama para me levantar e fui até à janela, toda torta por causa das minhas cruzes e ainda vestida com a minha camisa de dormir, que é branca e tem umas rendinhas que eu própria fiz quando era mais nova.

A Celeste corria pela rua com uma vassoura nas mãos e à frente dela estava um batalhão de travestis que tentavam entrar no cemitério! Ai, era a última coisa que eu esperava ver àquelas horas da noite! Homens vestidos de mulheres, cheios de saias e lantejoulas, levavam luzes e câmaras de filmar com eles como se fossem as armas que eles iam usar para invadir aquele espaço sagrado!
Calcei as minhas chinelas e saí assim para a rua para acordar a Gracinda e a Odete, que é a responsável por guardar o cemitério. Eu posso já parecer um pouco velha, porque já sou uma senhora de uma certa idade, mas digo-vos que, saindo assim, na minha camisa de dormir branca e rendada, senti-me belíssima como já não me sentia há anos. O meu cabelo esvoaçava com o vento que apertava aquele tecido leve contra o meu corpo. Senti-me como os anjos se devem sentir. Excepto as dores, claro, e todavia até isso ignorei, tal a satisfação que aquilo me dava. Senti a mão de Deus empurrar-me na direcção daqueles homens perdidos e tomados pelo Demo. Eu gritava e lançava gargalhadas que os faziam gritar a eles. Agora, eram os travestis que tinham medo!

Só quando peguei numa mangueira para os lavar dali para fora, é que a Odete chegou, ainda cheia de sono, a pedir que nós parássemos. Um senhor de gravata tinha um papel que lhes dava autorização para filmarem no cemitério. Agora, era com a Odete que nós gritávamos! Como é que ela tinha permitido uma coisa daquelas. Afinal, parecia que a decisão não tinha sido só dela, mas do padre e do sobrinho dela, que também é um rapaz assim um bocadinho esquisito. Eu tive que largar a mangueira, até porque já tinham avisado a polícia que nós iamos atacar aquelas criaturas. Mas não pensem que voltei para casa. Fiquei de pé, toda a santa noite a ouvi-los. Se não fossem as vozes de homens, parecia quase uma história de amor. Até espreitei pelo portão para ver o que aqueles ladrões estavam a fazer, mas nunca consegui, porque havia um monstro armado em touro que me enchutava de lá para fora de cada vez que eu me aproximava.

Acabei por fingir que tinha desistido e disse ao monstro que me ia deitar, porque já estava cheia de frio. Como eu sou velhota, ele até acreditou. Contudo, a verdade é que eu e a Celeste escondemo-nos atrás de um arbusto. O gato Matias quase que nos desmascarou, mas consegui enchutá-lo antes que ele começásse a miar.

Finalmente, já quase de manhã, quando eles começaram a sair pelos portões do cemitério, eu e a Celeste levantámo-nos e começámos a correr até eles com os nossos cabos de vassoura e atingimos logo dois deles. A Celeste atingiu um traveca mesmo no canto da boca. Eu acertei na Olívia! O que é que aquela vadia da minha neta estava a fazer com aquela gente?

«Pare com isso, avó! Eu só estava a ajudar com a iluminação! Eu trabalho para eles!»
Aquela rapariga tem que aprender umas coisas! Nunca mais a deixei procurar emprego. A trabalhar com travestis! A vergonha que eu senti! O desastre na minha própria casa! O meu Arnaldo até se deve ter contorcido debaixo da terra, só de ter a neta no cemitério a ajudar a filmar um bando de travestis no meio das campas. Desde então a Olívia só trabalhou nos empregos que eu escolhi para ela. Ela pode sofrer um pouco, mas é para o bem dela. Quem é que lhe deu autorização para ser diferente e se dar com gente duvidosa? Eu é que não fui!

Sinceramente...

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O Meu Primeiro Casamento - A Fatídica História de Frederico Rodrigo


Esta manhã, quando apanhei o autocarro para ir aos correios, um homem exibiu-se à minha frente e fez-me recordar o meu primeiro marido. É verdade, meus queridos, a dona Antonieta teve dois maridos. E não se preocupem em relação ao exibicionista. Eu ensinei-lhe das boas. Não volta a mostrar o coisinho dele tão depressa.

O meu primeiro marido chamava-se Frederico Rodrigo e era o homem mais elegante que eu alguma vez vira na minha vida. Musculado, transpirado, ele trabalhava na quinta dos meus pais, como lenhador. Ele rachava lenha todo o santo dia com o seu machado. Quando eu acabava as minhas tarefas em casa, ia para o campo e podia ficar a observá-lo por trás de um sobreiro durante horas.

Um dia, numa das festas da minha aldeia, Casal da Desgraça, o Frederico Rodrigo abordou-me com a sua voz grave e turbulenta como uma tempestade e levou-me para a pista de dança. Oh! E ele agarrou-me como um homem. Nessa noite, fez-me o meu primeiro filho.

Segredou-me os seus segredos e sonhos, enquanto estávamos deitados num monte de feno, nus como Deus nos fez. Enquanto me cantava as músicas que ele próprio tinha escrito enquanto rachava lenha, a minha mente voou e eu fiquei nas nuvens. Frederico Rodrigo era o homem da minha vida e iria ser uma estrela.

Claro que quando percebemos que eu estava de esperanças, os nossos pais obrigaram-nos a casar. O que para mim foi como um sonho, para ele foi um pesadelo. Frederico Rodrigo teria que continuar a trabalhar como um boi para sustentar a sua família e não havia nada que ele pudesse fazer em relação aos seus sonhos.

Quando a criatura que eu tinha dentro de mim estava quase a nascer, Frederico Rodrigo teve um acidente de trabalho. Enquanto rachava lenha, o machado escorregou-lhe das mãos, deu uma pirueta no ar e enterrou-se nas suas costas. Foi no mesmo dia em que descobri que ele namorava com a Maria do Canto às escondidas, atrás da Capelinha de Nossa Senhora das Dores.

Tive duas semanas para descobrir um novo pai para o meu bebé. Foi então que conheci o Arnaldo. Um homem sensato, com um coração do tamanho do mundo, que trabalhava em Lisboa. Fomos felizes até ao dia em que ele teve aquele triste acidente. Deus o guarde para sempre.

Que Deus vos acompanhe, na Paz do Senhor.

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Cataratas de Limonada

A mais triste notícia espalhou-se pela Capela da Nossa Senhora dos Aparecidos como um rio, enquanto rezávamos o terço na quarta-feira à noite. Descobrimos que a Lucinda, pobre alma, via mal porque tinha cataratas nos olhos. A mulher só tem 46 anos e ninguém me tira da cabeça que este infortúnio lhe bateu à porta por ter jantado com o Sr. Albino da Rua das Flores. Aquele homem é o Demo! Já tem sessenta e tal anos e desde que a mulher lhe pôs os cornos que decidiu comportar-se como o Chifrudo, a engatar mulheres mais novas e a fazê-las cair na tentação! À Antonieta é que ele nunca fez um convite para jantar! É só interesses!

Ora, para ajudar a pobre Lucinda, decidimos todas juntas angariar dinheiro suficiente para que a Lucinda pudesse ir a Cuba. Não percebo porque é que começaram a perguntar quanto é que custa o bilhete de avião, quando o Alentejo fica aqui tão perto. Devem ter medo que ela vá de carro e tenha um acidente.

Assim, ontem passei o dia a vender limonada com a Gracinda. Fizemos vinte euros. É um bom começo. Como o meu reumático já não me deixa segurar bem na faca, pedi à minha querida neta Olívia que me ajudasse. Claro que ela deu muito jeito a cortar os limões, a expremê-los, mas eu é que fiz a limonada. Deixo-vos já aqui o meu segredo: açúcar amarelo e uma pitadinha de guano seco, que é uma especiaria que o meu neto Ricardo trouxe das Áfricas depois de se casar. Mas não exagerem. Tem que ser na quantidade certa.

Continuando, o que eu queria era que a minha Olívia vestisse a camisola amarela que eu lhe tricotei pelos anos e me ajudasse a vender a limonada, porque nesta zona há muitos homens bem parecidos que podiam ser um bom partido para a garota. Mas a rapariga é tão tímida, tão vergonhosa! Passei a tarde a tentar convencê-la e ela só continuava a espremer limões!

E não é que, quando finalmente a convenci a vender uma limonada a um senhor que ali passava, ela conseguiu espantar-me o cliente? O gentil-homem, muito bem vestido e nos seus trinta e poucos anos (toda a gente sabe que uma rapariga, para se tornar uma boa mulher, precisa de um homem mais velho), foi sempre muito simpático e mandou algumas piadas simpáticas para a minha neta se rir para ele. E conseguiu. Eu própria, que estava a ver o enamoramento entre aqueles dois tão bem encaminhado, não consegui conter um sorriso de satisfação e de dever feito. Mas não é que, quando ela lhe estava a entregar o copo com a limonada, passa uma rabanada de vento que lhe levanta a saia?! E a desavergonhada não usava cuecas!!! O homem viu-lhe a piriquitita toda! TODA!!! Eu chamo-me Antonieta Piriquita e nunca mostrei a minha a ninguém!

Aquilo é que foi ver o homem recuar embaraçado! A vergonha que eu tive! VERGONHA! Nunca vi um homem beber uma limonada tão depressa! Até se engasgou! E no fim, soltou um «'Brigado!», como quem arrota e foi-se embora! Vou ter que ensinar tantas àquela rapariga! Se julga que vai ser Nossa Senhora e vai ter um filho do Espírito Santo, está muito enganada!
Sinceramente...

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

P.S.: Que Deus vos acompanhe, na Paz do Senhor!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Caloiros nos meus Crisântemos!


Há um ano atrás, fui até à universidade e, após passar por entre toda aquela juventude perdida, fui fazer a minha queixa:

«Estou farta de ter caloiros nos meus crisântemos! E a culpa é vossa! Praxam-nos tanto que se vão esconder nos meus canteiros! Parece uma praga de gafanhotos!»

Ao que me responderam:

«Não se preocupe, Dona Antonieta. Vamos já falar com a Associação de Estudantes e a situação para o ano não se torna a repetir.»

Indignadíssima, virei-lhes costas e saí de rompante daquela escola. Mas não sem antes chutar dois rapazolas no rabo! As mães deviam ensiná-los a meter as camisas para dentro e a fazer a barba! Parecem bandidos!

Este ano não se esconderam nos meus crisântemos, mas foram todos para o relvado que fica do outro lado da rua. Todo o santo dia a praguejar e a fazer barulho. Pedi ao Sr. Abílio para os ir enchutar de lá para fora, mas o homem, que sempre foi muito cobarde, graças à mãe dele que bebia aguardente quando estava emprenhada, ficou quieto a olhar para aqueles futuros doutores engravatadinhos a mandar as crianças rebolar pela relva. Duas horas que ele ficou parado, de braços cruzados, a olhar para eles!

Então, decidi tratar daquela praga como os ingleses quando chegaram à Austrália: com outra praga! Fui à casa da Josefa, que desde que foi para o Brasil nunca mais foi lavada, e enchi um frasco de compota com centenas de bichos, todos muito pequenos! Sei que havia pulgas, pequenas aranhas, lacraus, caruncho, borboletas, tantos tantos mosquitos e criaturas que eu nunca vi na minha vida! Só sei que eram tantos que encheram o frasco até ao cruto!

Peguei então no Matias e disse-lhe:

«Gato malvado, não me arranhes! Deixa-me pôr-te a coleira!»

E lá fomos nós, passeando pela relva e, sem querer, deixei cair o frasco aberto no meio daquela gente toda e fomo-nos embora... Só me apercebi que não tinha o frasco quando cheguei a casa...

No dia seguinte, passei pela escola para deixar uma tarte que eu fiz para a Associação de Estudantes. Há anos que não me sentia tão satisfeita. Não bati em nenhum rapazola. Caminhei por entre eles, toda sorrisos, enquanto os via coçarem-se! Ainda disse a duas rapariguinhas que aquelas papas que elas tinham nas pernas só desapareciam com azeite e óleo de amêndoas doces! Amêndoas doces!!! Ai, Meu Deus! Sei que pequei, mas soube-me tão bem! Já não me ria assim... Sei lá aos anos! Desde que o meu marido faleceu!

Com a Antonieta ninguém se mete!

Sinceramente,

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Praxes e as Eleições


A minha vida tem estado uma debandada! Nunca se viu! Cada ano que passa é pior!

A Jertrudes bem me avisou, quando os meus filhos me compraram esta casa:

«Olhe, vizinha, é muito benvinda! Mas nem sabe no que se veio meter! Ter casa ao pé de uma faculdade não é o que imagina.»

Mas na altura eu só pensei para mim mesma que estava a viver ao pé de futuros doutores. Nem imaginava como estava errada. Ou pelo menos, quão bêbados e barulhentos eram os futuros doutores! Até às rapariagas! Jovens bonitas, a maioria deve passar fome, enfrascadas como se amanhã fosse o Dia do Julgamento! Tive que as enchutar dos meus canteiros, porque os estavam a fertilizar com vómito! Se ajudassem os meus crisântemos a nascer, mas não! Só lá nascem ervas daninhas de cada vez que alguém vomita! Inacreditável! Deve ser daquele pólen que eles fumam! Sai-lhes todo pelas ventas quando se lhes reviram as entranhas! E a Antonieta é que tem que andar de joelhos no jardim a arrancar as ervas daninhas. Eu, uma senhora que já não aguenta de tudo e tem joanetes. Tenho artrite nos joelhos e as minhas costas também me doem. E desde que aquela caloira de fisioterapia me tentou ajudar... Meu Deus! Nunca mais os deixo tocarem-me! Parecem patas de elefante!

Seja como for, nas eleições legislativas, até votei no Sr. Sócrates, mas a sorte dele foi as votações terem sido no domingo antes das praxes, que começaram na segunda-feira passada, pois se tivessem sido este fim-de-semana já não teria aqui o voto da Antonieta!

Não é que o sacaninha, que me galanteia com sorrisos e bonitas palavras, demasiado elegantes para que eu perceba, sempre que aparece na televisão, andou a fazer exames mais fáceis para os alunos entrarem todos nas universidades! Por isso é que todos os anos a coisa piora! São cada vez mais futuros doutores! E cada vez menos hospitais, diga-se de passagem...

Futuros doutores, em cursos que eu nem sei para que servem! Os de análises são os vampiros que me tiram o sangue todo quando vou ao hospital para me verem as plaquetas. Mas e os outros?! São Coiso-logias, Orto-coisas e Coiso-terapias! E há aqueles que não sabem cantar as músicas daqueles hippies, os ABBA! Não percebo, sinceramente. Eles bem que gritam os nomes, mas não se percebe nada. Todos a fumar aquele pólen, a beber vodka ou cerveja (não sabem o que é um bom Porto!), a encher as crianças com ovos e águas de bacalhau e dizem-se o futuro! E não me esqueço daquela menina, uma tal de Geninha, como a tratavam os amigos todos bêbados! Eu bem a vi a andar de bengala e a tropeçar pelo relvado à procura de um sítio para fazer xixi. Mas eu enchutei-a logo! No jardim da Antonieta é que não!

Sinceramente,

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!