segunda-feira, 23 de maio de 2011

«Esperar por D. Sebastião, Quer venha ou não!»



Meus queridos,

Venho por este meio quebrar um voto de silêncio que se prolongava enquanto assistia impávida e serena ao soçobrar da sanidade mental portuguesa.

«Porquê?» perguntam-me vocês, meus queridos, e eu respondo-vos: porque nunca se viu tal esquizofrenia assolar uma sociedade inteira! Ou apenas meia-sociedade, vá. Seremos somente meio-radicais em vez de radicais e meio...

O que aconteceu à populaça revolta que berrava impropérios contra um governo decadente? Num espaço de poucos meses, essa populaça emudeceu, talvez cedendo ao mesmo voto de silêncio que eu vinha perpetuando, sentada no sofá, enquanto o gato Matias aprendia a assaltar o frigorífico e roubava as refeições que as senhoras da Santa Casa da Misericórdia me trazem todos os dias. Até aí, tudo bem, pois, de súbito, aconteceu aquilo por que todos gritavam e ficaram todos a pensar «E agora?»

O governo caiu, conseguimos que os incompetentes cedessem à sua própria incompetência. E agora? Como é que vamos meter o país de pé, que o bicho está gordo e pesado?

Ora, eu fiquei calada, para que quem tivesse ideias se fizesse ouvir.

Todavia, em vez da chegada de um D. Sebastião, continuámos com os mesmos de sempre e, que eu saiba, não apareceu nenhum messias que nos guiasse na direcção do Quinto Império tão apregoado pelo nosso Nandinho do café Nicola. E agora?

Agora, estão todos confusos, esquecidos do que os trouxe até aqui. Há ainda quem pondere voltar a meter ao volante os mesmos que espatifaram o carro! Eles deviam ter ficado sem carta! Quem é que os deixou levantarem-se e dizer «Não se preocupem, isto é só uma amolgadela, se nos deixarem pegar novamente no carro, resolvemos tudo com fibra de vidro e o país fica como novo»? O senhor Sócrates devia estar nos Alcoolicos Anónimos e se o deixarmos pegar no volante outra vez, bem podemos telefonar para a socateira mais próxima!

Estou revoltada. Verdadeiramente revoltada! E Grito!

VOTA, POVO DE PORTUGAL! VOTA À DIREITA, VOTA À ESQUERDA, VOTA NO MEIO, VOTA PELA FRENTE OU POR TRÁS! MAS NÃO SEJAM CRETINOS AO PONTO DE FAZER COM QUE O PAÍS FIQUE NAS MESMAS MÃOS!

O senhor Sócrates já teve seis anos para provar competências e incompetências. Mesmo que não apareça nenhum nadador-salvador, dêem a vez a outro, porque este já mostrou que não sabe nadar e ainda nos arrasta com ele para o fundo do mar. E podem ter a certeza de que aí nem o Moby Dick nem a Júlia Pinheiro nos podem salvar.

Sinceramente,

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Morta e Engaiolada!


Depois deste incidente com os ladrões em Northampton, o meu filho Zé decidiu que estava na hora de trazer a mãezinha de volta para casa, antes que se metesse mais em sarilhos e acabasse magoada.

Sinceramente, para mim, trazerem-me de volta para Portugal porque não estou segura na Grã-Bretanha é uma enorme piada de mau gosto!

Ora, a primeira notícia que vejo na televisão quando regresso ao meu velho sofá (nem foram capazes de lhe limpar o pó, na minha ausência! Falta de consigre... consigra... uma falta de consigração por quem lhes limpou o rabo quando eram crianças! Uma falta de consigração por quem lhes batia no rabo quando diziam algum palavrão! Eu é que fiz desta família pessoas adultas e de respeito!...)

Onde é que eu ia?

Ah, sim. O sofá...

Sentei-me no sofá, em cima do gato Matias (tive que lhe dar uma bengalada quando me ferrou as unhas no rabo), liguei o televisor, e qual é o meu espanto quando descubro que deixaram uma senhora de idade, em tudo como eu, falecer e apodrecer na sua própria casa durante 9 anos!

Estou chocada! Verdadeiramente chocada! Eu estive na Tailândia e nunca vi tal coisa acontecer! Aliás! Melhor do que isso é o que lá fazem aos drogados! Quando os apanham, nunca mais saiem da cadeia, os desgraçados!

Faleceu a senhora, o cão ao pé do frigorífico e os piriquitos engaiolados, tal como a dona! O primo que a ia visitar todas as semanas foi à polícia, onde lhe diziam que não podiam fazer nada sem ordens do tribunal. Foi 13 vezes ao tribunal e tudo o que conseguiu foi que se rissem na sua cara. Foi preciso o governo, aquela cambada de esfomeados, querer vender a casa para cobrar as dívidas da senhora, que só não as pagou porque estava morta, para que alguém arrombasse a porta e se deparasse com aquele pesadelo.

Se o primo invadisse a casa sem consentimento das autoridades, ia preso. Até o podiam culpar da morte da senhora... Os próprios vizinhos apostavam que a mulher lá estava morta. Toda a gente o sabia. Os que queriam fazer alguma coisa não podiam e os outros não queriam e prontos!...

Enfim, meus queridos... Agora, que estou de volta, e encontro a minha neta casada com a fuf... Oh, Meu Deus! Perdoa-as... Casada com a fufa Diana! Ai, Meu Deus... Elas não fazem por mal. Não sabem as ofensas que Lhe fazem, Ó Senhor...

Bem, encontrei a minha querida Olívia assim e já tive uma conversa séria com ela e com o meu advogado. Ela tem a chave da minha casa e está autorizadíssima a abrir a minha casa sempre que pensar que eu estou morta e padecida! Tenho-vos a vós, meus queridos, como testemunhas das minhas palavras. Além disso, escondi ainda outra chave, caso a moça perca a chave que eu lhe dei (é muito aluado, aquele trambolho tonto que me está sempre a ajudar), nas traseiras do meu quintal, por baixo daquela raíz do pessegueiro com a forma de uma morsa de barriga para cima! Não digam a ninguém! Só ela é que sabe!

Sinceramente,

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Travar os gatunos em Northampton!



Meus queridos,
Como devem ter visto hoje nas notícias, tenho estado a gastar os últimos cêntimos da minha pensão para viajar pelo mundo e meter silicona nos meus peitos, razão pela qual não tenho tido tempo para partilhar convosco as minhas desventuras.
No entanto, deixo aqui convosco este vídeo.
Ora, como podem verificar, estava eu a passear em Northampton quando vejo aqueles gatunos a assaltar a joalharia! Pois eu sei muito bem aquilo porque os joalheiros passam, porque já trabalhei num sítio desses, nos primeiros anos em que vivi em Lisboa. Estamos nós, na loja, a resistir à tentação, com aquele ouro todo à nossa volta, a contrariar os nossos instintos para não sorripiar um único anel de diamante e, volta na volta, aparece sempre algum gatuno a tentar estragar tudo!
Pois eu digo que isso é frustrante para quem lá trabalha! Se os empregados não podem meter nada para o bolso, os dorgados também não!
Assim, ao ver aquela ladruagem, decidi correr em auxílio dos que não faziam nada para prevenir aquela injustiça, e toca de arrear neles! Dei cabo daquela vadiagem toda! Aquilo é que foi vê-los a berrar pela Nossa-Senhora dos Aflitos!

Com a Antonieta ninguém se mete, ou não me chamo
Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

Beijinhos a todos! Espero mandar-vos mais uns postais em breve!

domingo, 4 de julho de 2010

Os Golos do Cristiano!


Olá, meus queridos!
Confesso que não sou nenhuma fã de futebol, mas este ano foi impossível ficar indiferente. Este Mundial do futebol lá nas Áfricas foi a única coisa que me fez ter saudades do lar de idosos. Aquelas malditas vuvuzelas conseguem esfrangalhar-me a cabeça! Sempre que algum garotito mais atrevido começava a tocar uma daquelas cornetas ao pé de mim, era certo que ficava sem ela! Desengane-se quem pensa que as bengalas servem para nos ajudar a andar. São armas de defesa, pefeitas para açoites no rabo, rasteiras e partir vuvuzelas!
Entretanto, aquele Cristiano Reinaldo disse-me umas coisas que eu não percebi. E, sinceramente, é óbvio que ele também não. O resultado está à vista! Hum...
O gaiato é muito agradável à vista, definitivamente. Juro-vos que começo logo a ver melhor quando ele aparece na televisão. Mas não é disso que eu vos quero falar. As barbaridades que saiem daquela boca! E não me refiro à saliva que ele cuspia quando tinha aparelho! Ele, agora, já não tem aqueles arames nos dentes. Pois bem... Passo a explicar-me: O que é que foi aquela coisa do quetechape? Aliás, o que é o quetechape? O Cristiano disse que os golos eram como o quetechape: Custava a sair, mas depois nunca mais parava.
Meu filho: na minha terra, Casais da Desgraça, isso chama-se Prisão de Ventre, e cura-se com um bom laxante!
Ao que parece, o quetechape não resultou, porque só marcou aquele golito trapalhão no mesmo jogo em que toda a gente conseguiu marcar. O rapazito ainda andou de beicito pendurado com inveja dos outros meninos, porque todos marcavam golos menos ele. Mas finalmente lá se refez e enfiou a bola na baliza.
Diz-se que ele falhou e foi o responsável pela derrota portuguesa... E o rapazito rematou que se queriam saber quem era o culpado que falassem com o treinador. Ai! Eu pensei logo que ele andava a aprender com os franceses! Porém, rematou logo de seguida a pedir desculpas pelo mal entendido. Era só uma "inocente frase" sem outras intenções. Só queria dizer que o Queiroz estava a ser entrevistado na sala de imprensa e era com ele que os jornalistas deviam estar a falar. É óbvio! Coitadinho. Estava frustrado.
Dois remates seguidos, e nem um único golo, poderíamos nós pensar! Com uma boca destas, e reparem que não me dou ao trabalho de mencionar a sua inteligência, não seria de esperar outra coisa... Mas não! Estamos todos errados mais uma vez! Parece que o rapazito andou a golear, sim senhor! Mas noutra baliza! O rapazinho é pai! Enquanto andava a tentar golear no futebol, só pensava na criaturazinha que tinha acabado de nascer lá para as Américas, segundo dizem! Cristiano, Cristiano... Espero que o teu miudito tenha melhores professores do que tu! E larga o quetechape. Estás é a precisar de um bom laxante, filho!
Sinceramente,
Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

P.S.: Com isto tudo, não admira que a menina Paris Hilton, uma loira burra daquelas que parecem saídas de uma cadeia de montagem, tenha sido presa por andar a fumar aquelas ervas que os hippies fumavam depois do Sr. Marcelo Caetano ter sido despedido do governo. A rapariga devia estar a pensar «Que horror! Se calhar sou eu a mãe!». Podem não se lembrar, mas houve molho entre esses dois manjericos há um ano atrás. Olha, filha, não te preocupes. Com umas ancas como as tuas, nunca hás-de ter filhos. Uma mulher, para parir, tem que ter ancas largas para a criança pasar! E se fosses tu a mãe, já te tinhas apercebido, quando aparecesse nas revistas cor-de-rosa! Descansa em paz, na paz do Senhor!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Faz as pazes com Deus, ó Saramago!

Meus queridos,
Eu sou uma pessoa que nos funerais tem sempre as mãos pousadas sobre o regaço e não pronuncia uma única palavra. Se alguém me começa a falar bem do morto, o mais certo é eu interromper «Descansa. Podes parar com a graxa. Está morto, já não te ouve.» e, se ouço alguém a chorar, eu sou aquela pessoa que diz «Shiu! O senhor prior está a falar!».
Eu não sou uma pessoa que chore nos funerais, ou que fale irritantemente sobre o quão adorável era o morto quando estava vivo. Que horror! Era o que mais me faltava! Eu não acredito em pessoas adoráveis. Ninguém o é! Todos têm nódoas na camisa! Eu sou aquela senhora, a Dona Antonieta, que passado algum tempo, quando já ninguém fala no morto e já toda a gente o esqueceu, começa a contar histórias sobre ele. Era o que me faltava, estar a engraxar um morto! Se não se fez enquanto estava vivo, já não se faz! Por isso, quando o Zé Saramago morreu, remeti-me ao meu silêncio e esperei que se esquecessem dele. Já passou uma semana, e agora, que já pararam de engraxar o morto e as atenções se voltaram todas para o futebol, lá nas Áfricas, posso pronunciar-me.
Quero lá eu saber que ele tenha ganho um prémio em terras de bárbaros nórdicos, ou que tenha escrito uma catrefada de livros. O Zé era um homem horrível que me atormentou desde pequenina. A minha aldeia, Casal da Desgraça, fica apenas a alguns quilómetros da Azinhaga, onde ele nasceu. Ele era mais lisboeta que ribatejano. Quando ele voltava à Azinhaga, toda a gente em Casal da Desgraça dizia que aquele rapaz era lisboeta. Nós conhecemo-nos quando eu tinha os meus seis aninhos e ele... sei lá eu... era mais velho... já tinha barba... Eu estava a caminho da capelinha de Nossa Senhora das Dores - que agora já foi demolida porque o telhado estava podre - quando o rapaz se cruza comigo e chocamos. Pediu-me desculpa, eu também, e conforme ele se ia embora eu despedi-me com um «Vai com Deus!», ao que ele me responde «Deus não existe!». Chorei tanto, Meu deus! Chorei tanto! Passei o terço todo a chorar. Rezei o terço três vezes a ver se me esquecia do que ele me tinha dito, mas não conseguia. Levei dois dias a recuperar.
Depois disso, estive muito tempo sem o ver, até me casar com o meu Arnaldo, Deus o tenha em paz, e nos mudarmos para Lisboa. Ora, o meu Arnaldo era bom amigo do Zé Saramago e eu, na altura, já nem me lembrava dele, até que um dia, ao jantar, convidei a querida Ilda, a mulher dele, a quem eu emprestei uma tesoura de poda que ela nunca mais me devolveu, a ir à missa no dia seguinte, e a levar a pequenina Violante também, para conhecer as outras senhoras da vizinhança e as criancinhas da catequese, ao que ele interrompeu, dizendo «Não acredito no tempo que as pessoas perdem a rezar a um Deus que não existe!» Lembrei-me logo dele! Que escândalo! Até parti um prato!
Nessa noite, ele mostrou ao meu Arnaldo um manuscrito de um livro chamado "A Viuva", que ele próprio tinha escrito... Queria publicá-lo em breve! Um dia, sem que o meu Arnaldo soubesse, li o manuscrito e fiquei horrorizada. Telefonei para a editora e disse-lhes que era um livro horrível e mais valia ser chamado "Terra do Pecado"! Tramei-o bem tramado. O livro foi publicado na mesma, mas alteraram-lhe o título. Depois disso, ainda escreveu um livro chamado "Claraboia" e eu decidi repetir a brincadeira. Estava à espera que o contrariassem novamente e também mudassem o título do livro para "Pouca Vergonha". Porém, em vez disso, não o publicaram...
Só dezanove anos depois é que ele voltou a escrever, quando o meu Arnaldo se descuidou e lhe disse que tinha sido por minha culpa que o "Claraboia" não tinha sido publicado... O Zé riu-se que nem um perdido e parece que ficou logo inspirado. Escreveu uns "Poemas Possíveis" e pediu-me para os ler. «Pára de escrever, Zé Saramago! Que o diabo te carregue! Pára de me massacrar, que o único livro que uma senhora como eu devia ler é a bíblia!» Mas ele insistiu. Ralhei tanto com ele que a besta do homem ficou a adorar-me. A partir daí passou sempre a mandar-me os seus manuscritos. Até parecia excitar-se por eu me enfurecer tanto.
Decidi mudar de técnica. Depois da "História do Cerco de Lisboa", disse-lhe «Olha, Zé. O livro é assim-assim.» Ele franziu o sobrolho e estranhou a minha simpatia. «Por que é que não tentas fazer uma daquelas histórias bonitas, como as do Livro Sagrado? Também têm pessoas sem moral e coisas esquisitas a acontecer...» Ele pareceu convencido e pouco depois mostrou-me aquela abominação, "O Evangelho Segundo Jesus Cristo"! Como é que ele foi capaz?! Que horror! E o pior é que me sinto culpada por ele ter publicado o livro. Se eu tivesse sido simpática em vez de o ameaçar com a faca de cortar o pão, ele teria guardado o livro na gaveta. Por que é que eu o tentei matar com a faca de cortar o pão?! Sinto-me culpada até aos dias de hoje...
De qualquer forma, pior para ele, que se mudou para a Espanha! Mas nem mesmo lá longe deixou de me enviar aqueles manuscritos demoníacos. Bastaria que eu não os lesse e ele pararia de me atormentar! E eu ser capaz? Não era! De cada vez que recebia um manuscrito dele, eu ficava com ele dois dias sobre a mesa, tentando ganhar coragem para o atirar à fogueira. E, então, eu pensava «Calma, Antonieta! Se fazes isso, ele pensa que leste o livro e o detestaste mais do que aos outros!» E lá ia eu ler aquelas barbaridades sob a luz do candeeiro, para depois lhe escrever uma carta com todos os impropérios de que me conseguia lembrar!
Por cada vez que li um livro dele, voltei a ler a bíblia toda do génesis ao apocalipse, como que a pedir perdão a Deus Nosso Senhor. Finalmente, depois de ter cegado a humanidade inteira e de ter transformado a morte numa mulher, decidiu chamar filho da puta a Deus e dessa vez enfureci-me de tal forma que queimei mesmo o manuscrito e enviei-lhe as cinzas por correio. E não é que o velho rezingão também publicou aquele absurdo?
Enfim, agora ele morreu. Entretanto, já li a Bíblia outra vez e tenho a sensação de estar à espera que qualquer dia me apareça outro manuscrito cá em casa... Ouvi dizer que aquele rapazinho que me cumprimenta todos os dias quando vai para a faculdade aqui ao lado gosta de escrever... Talvez, um dia, me deixe ler um dos seus manuscritos...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Dona Antonieta está de volta!


Meus queridos! Tantas saudades que eu tive de partilhar os meus dias convosco... Depois dos pequenos incidentes com a X-Box de há uns meses atrás, os meus filhos pensaram «A mamã está a ficar muito solitária e isso já não é bom na idade dela. Devíamos enfiá-la num LAR, COM OUTROS VELHINHOS CAQUÉTICOS COMO ELA!» A mim, Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita! Como é que foram capazes? Eu que sempre fiz a minha vida sem ajuda de ninguém, sempre tive a minha casa e lutei pelas minhas coisas! Até os meus bibelôs! A quantidade de vezes que lutei com aquela vaca da Josefa (que ainda não voltou do Brasil) pelos bibelôs que agora enfeitam os meus móveis! Consegui vencê-la sempre! Ela nunca comprou um bibelô que eu quisesse comprar!

Continuando... Eles levaram-me para um lar (supostamente) de luxo, com muitas regalias e muitos velhinhos com quem eu poderia conversar, mas aquilo era uma treta pegada! A maioria dos velhinhos nem falavam! Babavam-se! E aquilo não tinha luxo nenhum, se é que chamam luxo a eu ter o meu próprio quarto e uma casa de banho privada! A isso eu não chamo luxo! Chamo "o mínimo aceitável" para uma senhora como eu! Não vivi estes anos todos para me atirarem areia para os olhos!

Seja como for, lá conhecia a Julieta, uma grande coscuvilheira, mas boa amiga. Podíamos passar horas a conversar. E como o lar tinha muita gente, não era difícil arranjarmos motivo de conversa. Havia sempre os podres de alguém, os boatos deste e daquele... e como ela já lá estava há dois anos, conhecia também muitos outros que também por lá tinham passado, mas que já não se encontravam entre nós. Infelizmente, descobri mais tarde que metade das histórias eram falsas e que da mesma forma que ela falava comigo sobre os outros, falava com os outros sobre mim. Claro que ela não se ficou a rir, quando passaram no noticiário que se tinham casado duas lésbicas em Portugal (o Demo anda ocupado...) e eu me levantei-me e disse, diante de todos, alto e bom som, que uma delas era filha da Julieta!

Perdi uma amiga e ganhei muitas mais. É como na escola. Assim que mostrei que com a Antonieta não se brinca, tornei-me popular. Até tive os meus interesses amorosos. O Manuel Fonseca era muito galante, mas estava tão gordo, valha-me Deus... E o Alberto Silva também era um senhor com H grande (e não só, pelo que as enfermeiras davam a entender com os seus borborinhos, de cada vez que o ajudavam a tomar banho), mas era careca e faltavam-lhe dois dentes na dentadura... O Norberto também era encantador e sabedor na arte do engate, mas era casado e a mulher dele também habitava aquele lar. Lá por a mulher dele estar em coma, o casamento não deixa de ser sagrado...

Todavia, o meu Zé, o meu filho mais velho, foi despedido, e era ele que pagava a minha estadia neste "lar de luxo". Acontece que não é o meu único "filho despedido" e assim já não havia dinheiro para a mamã estar "internada" naquela espécie de hospício infernal onde me obrigavam a comer canja dia-sim-dia-não e a comer gelatina de pêssego quando o que eu queria era a de ananás.

Estou de volta, meus queridos! Estou em casa. O gato Matias foi quem sentiu mais a minha falta. Tão magrinho que ele está, depois de ter enchido a barriga a todas as gatas da vizinhança. Depois a dona é que tem de ouvir a Gertrudes a gritar porque a gatinha dela está prenha outra vez. Mas não faz mal. Agora, a Antonieta está de volta!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O Exorcismo - e o fantasma da X-Box

Meus Queridos,
Perdoem-me a minha ausência. Sinto-me tão perdida. Já não sei o que faça da minha vida. Acho que estou a morrer. Como Sylvia Plath dizia, todos nós começamos a morrer a partir do momento em que nascemos, mas desta vez sei que estou mais perto de estar morta do que no dia em que nasci. Assombrada durante a noite e possuída durante o dia, passei quase um mês sem dormir. Sinto-me seca por dentro, como um pão que vai ao microondas durante demasiado tempo.
A minha artrite dá-me cabo dos dedos, mas nem por isso conseguia largar a consola. Inicialmente, comprei aquela porcaria para o gato Matias, porque ele estava de trombas e já não gostava de mim. Contudo, como o Matias não jogava, comecei eu a dar uso à coisa. Depois, apareceram aqueles suspiros e gemidos no meu quarto e tirei a fotografia àquele jovem espectro que me assombrava com aqueles olhos de quem me queria possuir. Pelo aspecto, devia ser um jovem fantasma com uns 18 anos, mais coisa, menos coisa. Agora, não percebo por que decidiu assombrar-me. E acho que ele me possuiu, de facto, porque os jovens, mesmo fantasmas, adoram jogar e eu não largava a consola nem por nada e os meus dedos continuam todos inflamados.

Eu nem sequer gosto de futebol e não parava de jogar Pro-Evolution Soccer 2010! E aqueles monstros aterrorizantes do Halo que me estavam sempre a matar e me provocavam aqueles pesadelos horripilantes! Estive quase um mês sem fazer as lides da casa, sem comer, sem me lavar, nada! As minhas vizinhas pensavam que eu estava a viver em casa dos meus filhos, porque nunca me viam sair de casa. Como é que pode ser? Estive quase um mês sem saber nada da vizinhança! Todas as conversas, brigas, coscuvilhices e segredinhos que eu perdi! À noite, quando tentava dormir qualquer coisa, lá aparecia o safardana do fantasma para me suspirar ao ouvido e me acordar. «Vai jogar, Antonieta! Ainda não chegaste ao último nível!» E eu limitava-me a obedecer, como se o meu próprio espírito já não habitasse mais em mim. O gato Matias já nem me reconhecia. Rugia de cada vez que me via!

Só quando a Celeste e o Senhor Padre vieram a minha casa, porque há já três semanas que eu não ia à missa, é que me livrei do fantasma que me tomava o corpo. Os rostos deles foram tomados de assombro quando mergulharam na obscuridade da minha sala e me viram.

- Dona Antonieta, vocemessê está num estado miserável. Largue a televisão. Precisa de se lavar, de comer...

- Estás a chamar-me porca, padre? Vai mas é para o Inferno chupar pichas com a tua mãe!

A Celeste até desmaiou! Nunca da minha boca tinham saído tais impropérios! Eu gritava e ralhava com eles até que o padre arrastou a Celeste dali para fora e foi chamar o bispo. Entretanto, depois de recuperar os sentidos, a Celeste foi pedir ajuda à pobre Lucinda, a qual, graças às suas cataratas, consegue ver o "outro mundo" com outros olhos.

Quando entraram em casa, plantaram velas por todo o lado e arrancaram-me o comando das mãos!

- Não!!! - Gritei eu, com uma voz que não era a minha. - Não gravei o último nível! Vou perder o jogo!

- O Poder de Deus Compele-te! O Poder de Deus Compele-te!

- Não me chateiem, seus bastardos, filhos de uma grande meretriz!

Foi então que amarraram ao sofá e atiraram a minha X-Box 360 para a lareira, desaparecendo por entre as chamas e o fumo negro do Inferno que encheu aquela casa. E enquanto exorcitavam aquele espírito maligno de dentro de mim, eu gritava e grunhia e cuspia e chamei-lhes nomes que nunca tinha ouvido na minha vida! A partir daí, não me lembro de mais nada. Parece que destrui a minha mesa de vidro da sala, uma moldura da minha querida Olívia, um retrato de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz e até mesmo o tampo da sanita! Depois, quando finalmente conseguiram que o demónio me libertasse, vomitei no lavatório até as tripas me arderem!

Agora, estou melhor. O Senhor Padre pediu às senhoras da Santa Casa da Misericórdia para me ajudarem durante uns dias. Elas podiam lavar-me a casa, trazer-me refeições, dar-me banho... Mas eu mandei-as embora, logo no primeiro dia! Trouxeram-me canja e queriam que eu me despisse à frente delas para me lavarem. Isso eu consigo fazer sozinha! Se me queriam ajudar, levassem-me para as termas e servissem-me caviar!