segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Morrer Como um Homem no Cemitério

Meus Queridos,
Estava eu a ensinar a minha neta a fazer rendas para o enchoval, quando reconheci uma voz da rádio. Eu queria ouvir Rádio Renascença, mas como já é difícil convencer a minha Olívia a fazer renda, decidi dar-lhe algum espaço e deixei-a sintonizar o aparelho na Antena 3. Havia um tal de Alvim e uma Prova Oral que me dava a sensação de ser de muito mau gosto. Mas começo a ouvir a entrevista com mais atenção e apercebo-me que reconheço os entrevistados.

Há meses atrás, um grupo armado de câmaras de filmar invadiu o cemitério da minha paróquia às quatro da manhã. Não é que depois das poucas vergonhas que lá fizeram, tiveram o descaramento de ir falar sobre isso na rádio, para toda a gente ouvir?! Ora oiçam eles a falar do que fizeram lá no minuto 45. http://ww1.rtp.pt/icmblogs/rtp/prova-oral/?k=Morrer-como-um-homem.rtp&post=15562

Vou-vos contar toda a história. Estava eu na cama, a dormir o meu segundo sono, quando oiço gritos na rua. Gritos estridentes! Assustadores! Parecia que o demónio estava a subir à Terra e o mundo se enchia de dor e ranger de dentes. Afinal, era só a Celeste, mas fazia barulho pela humanidade inteira. Agarrei-me às traves da cama para me levantar e fui até à janela, toda torta por causa das minhas cruzes e ainda vestida com a minha camisa de dormir, que é branca e tem umas rendinhas que eu própria fiz quando era mais nova.

A Celeste corria pela rua com uma vassoura nas mãos e à frente dela estava um batalhão de travestis que tentavam entrar no cemitério! Ai, era a última coisa que eu esperava ver àquelas horas da noite! Homens vestidos de mulheres, cheios de saias e lantejoulas, levavam luzes e câmaras de filmar com eles como se fossem as armas que eles iam usar para invadir aquele espaço sagrado!
Calcei as minhas chinelas e saí assim para a rua para acordar a Gracinda e a Odete, que é a responsável por guardar o cemitério. Eu posso já parecer um pouco velha, porque já sou uma senhora de uma certa idade, mas digo-vos que, saindo assim, na minha camisa de dormir branca e rendada, senti-me belíssima como já não me sentia há anos. O meu cabelo esvoaçava com o vento que apertava aquele tecido leve contra o meu corpo. Senti-me como os anjos se devem sentir. Excepto as dores, claro, e todavia até isso ignorei, tal a satisfação que aquilo me dava. Senti a mão de Deus empurrar-me na direcção daqueles homens perdidos e tomados pelo Demo. Eu gritava e lançava gargalhadas que os faziam gritar a eles. Agora, eram os travestis que tinham medo!

Só quando peguei numa mangueira para os lavar dali para fora, é que a Odete chegou, ainda cheia de sono, a pedir que nós parássemos. Um senhor de gravata tinha um papel que lhes dava autorização para filmarem no cemitério. Agora, era com a Odete que nós gritávamos! Como é que ela tinha permitido uma coisa daquelas. Afinal, parecia que a decisão não tinha sido só dela, mas do padre e do sobrinho dela, que também é um rapaz assim um bocadinho esquisito. Eu tive que largar a mangueira, até porque já tinham avisado a polícia que nós iamos atacar aquelas criaturas. Mas não pensem que voltei para casa. Fiquei de pé, toda a santa noite a ouvi-los. Se não fossem as vozes de homens, parecia quase uma história de amor. Até espreitei pelo portão para ver o que aqueles ladrões estavam a fazer, mas nunca consegui, porque havia um monstro armado em touro que me enchutava de lá para fora de cada vez que eu me aproximava.

Acabei por fingir que tinha desistido e disse ao monstro que me ia deitar, porque já estava cheia de frio. Como eu sou velhota, ele até acreditou. Contudo, a verdade é que eu e a Celeste escondemo-nos atrás de um arbusto. O gato Matias quase que nos desmascarou, mas consegui enchutá-lo antes que ele começásse a miar.

Finalmente, já quase de manhã, quando eles começaram a sair pelos portões do cemitério, eu e a Celeste levantámo-nos e começámos a correr até eles com os nossos cabos de vassoura e atingimos logo dois deles. A Celeste atingiu um traveca mesmo no canto da boca. Eu acertei na Olívia! O que é que aquela vadia da minha neta estava a fazer com aquela gente?

«Pare com isso, avó! Eu só estava a ajudar com a iluminação! Eu trabalho para eles!»
Aquela rapariga tem que aprender umas coisas! Nunca mais a deixei procurar emprego. A trabalhar com travestis! A vergonha que eu senti! O desastre na minha própria casa! O meu Arnaldo até se deve ter contorcido debaixo da terra, só de ter a neta no cemitério a ajudar a filmar um bando de travestis no meio das campas. Desde então a Olívia só trabalhou nos empregos que eu escolhi para ela. Ela pode sofrer um pouco, mas é para o bem dela. Quem é que lhe deu autorização para ser diferente e se dar com gente duvidosa? Eu é que não fui!

Sinceramente...

Antonieta de Jesus Cristo-Rei no Céu e na Terra Aleluia Piriquita!

2 comentários:

  1. Dona Antonieta, queria agradecer a disponibilidade da sua neta e dizer-lhe que tem sempre um lugar à disposição num próximo projecto que envolva cemitérios.

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  2. Ai meu querido,
    Pode contar com ela, sim senhor, mas garanta-me que não a leva por maus caminhos, que aquela criatura anda perdida.
    No fundo, no fundo, a minha querida Olívia é boa rapariga, mas precisa de um bom marido que lhe ponha as ideias no sítio.
    Se estiver interessado, disponha.
    Fique com Deus, na Paz do Senhor!

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Falem com a Dona Antonieta. Ideias, críticas, dúvidas existênciais... A Dona Antonieta terá todo o prazer em responder...
Mas sem palavrões! Nada de ofender o Senhor!
Beijinhos, meus queridos.